quarta-feira, 27 de abril de 2011

Viajando

Sentara-se em frente de Tatiana no metro ... Sem dar conta puxou a ponta do seu cachecol de modo a tapar-lhe o nariz. O cheiro era pestilento. Olhou-o fixamente. De tez escura não conseguiu entender se era preto, mulato, africano, muçulmano, asiático. Ele de olhar penetrante, olhava todos à sua volta. Sorridente. mostrando uma fileira de dentes apodrecidos. "Devia fumar muito"! - pensou Tatiana ...
Rosa Florêncio
A viagem prosseguia. A descoberta do mundo à volta do indivíduo também. Ainda faltavam algumas paragens para sair no destino que pretendia. Naquele dia o percurso decorria silêncioso, interrompido apenas pelas paragens seguintes com a entrada e saída dos passageiros. Eis que quando menos se esperava, numa das paragens entrou o revisor, pronto para verificar a legalidade das viagens dos utentes. O dito indivíduo de raça enigmática demonstrou algum nervosismo. Aproximava-se em poucos segundos a paragem seguinte; o revisor também se aproximava. A porta abriu-se e o incógnito passageiro que parecia não possuir o título de embarque válido, levantou-se e escapuliu-se num ápice, porta fora. A próxima batalha, certamente, seria ultrapassar as cancelas do metro - imaginou Tatiana ...
Celso Gonçalves

sexta-feira, 4 de março de 2011

QUANDO É OBRIGATÓRIO FALAR DE CRISE

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Foto: M. Jesus

O MOMENTO ACTUAL, A CRISE, OS CAMINHOS
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Um tema e o desnorte no caminho a seguir para o desenvolver. Do que falar concretamente?Sobre o que é a crise?... Sobre os caminhos para onde vamos?... Por onde vamos?
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Surge-me a ideia de que crise é uma linha contínua. Olho à minha volta e tento encontrá-la nos sinais do presente mas também nos vestígios do passado.
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O tempo flui. As ideias surgem, constantemente renovadas, a partir de correntes anteriormente encontradas, usadas até à exaustão, gastas, a pedir novidades. Vinda essa renovação, incipiente de início, depois ganhando segurança, e desactualizando-se à medida que o mundo e o homem no seu dialogar constante, se harmonizam ou desavêm.
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Todo o tempo é contínuidade, assim como todo o momento tem uma causa e vai ter um efeito. Crise é o momento de transição, quando o efeito pede uma solução ainda não encontrada. Mas, a pouco e pouco, a luz vai surgindo, fruto de algum cérebro iluminado, de alguma investigação aturada ou de um inesperado acontecimento. A ideia ganha volume, consistência. Estende-se a várias árias do saber e do fazer, determinando o estar. A crise passou, dando lugar a um període de relativa homogeneidade, que um dia se perderá nos caminhos do desgaste e diante de novos desafios…
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Mas, há ainda, as crises que nunca passam. As crises vividas a nível individual. Crise de quem nada tem nem consegue vir a ter, crise dos que nascem diferentes e gastam a vida a ultrapassar constantes obstáculos. Crise dos injustiçados e dos insatisfeitos. Crises que são dramas, não generalizados mas que são importantes. Sei que não é destas crises que deveria falar mas daquela diáriamente anunciada nos meios de comunicação e referida constantemente nos discursos dos polítiicos, gentes, para quem não há crises. Se a crise é dinheiro, são eles que o embolsam, sempre com a mesma impunidade. Compete-lhes encaminhar o rebanho pelo caminho que desejam e fazem-no guiando-o pelas veredas mais sinuosas, enquanto eles seguem por atalhos com caminhos bem mais fáceis, sem desvios nas suas rotas. Chegam sempre primeiro, poupados e impunes.
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Que solução? Não sou conhecedora de crises, só abordei em modestas temáticas académicas as que no passado foram fazendo história, abordagem, só para conhecer o percurso humano, não como preparação para envolvimento directo numa que pudesse vir a surgir. Assim, não saberei indicar qual o caminho. Penso ainda, que ninguém sabe ou seria muito fácil resolver o problema. Só se apontam soluções hipotéticas, necessitando de comprovação experimental.
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Por mim, olho e aguardo. Afinal, desde que me conheço sempre a crise me rodeou, sem ter muitas vezes a noção da sua existência.
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Nasci no ano em que a Segunda Guerra Mundial terminou. cessava então a crise bélica mas arrastava-se ainda, uma grave crise económica e social. Ao meu país, sem guerra directa, também chegaram os racionamentos e as faltas de alimentos, as lutas por liberdade, a repressão, o estagnamento das ideias, a surdez à evolução. Foi uma crise de consciências adormecidas e da repressão, para com aquelas que não dormindo, se reclamavam. Seguiu-se o destapar a panela cheia de vapor, por um lado aliviava a pressão, por outro extravasava conteúdos, motivando o vazio económico, o desemprego, a fome, o desengano. O tempo foi sarando feridas, foi repondo algumas verdades em prateleiras mais seguras, mas ciclicamente abanadas na falta de estabilidade e com o aparecimento desse velho inimigo chamado crise.
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Actualmente vivemos mais uma. Igual a tantas outras? Diferente? Um daqueles momentos históricos que vai determinar mudanças profundas? Porque de mudanças constantes e aceleradas vivemos hoje como nunca vivemos, se um momento de viragem estiver para se verificar terá que ser muito radical.
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Mas que forma esta de tratar um tema! Tenho a sensação final de que acabei por não falar de nada. Mas acreditem, disse tudo o que sobre o assunto saberia dizer. Ensinem-me mais! Aguardo as vossas palavras.
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03 de Fevereiro de 2011
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Maria de Jesus Pinto
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CONTO DE NATAL

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Foto: M. Jesus
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É Dezembro!
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Teresa e Joaquim, este ano, vieram com antecedência para casa da filha.
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Ana e José, face às dificuldades climáticas decidiram ir à pequena aldeia beirã e insitir que os pais os acompanhassem para sua casa, onde as condições são mais acolhedoras e impediriam que uma gripe ou constipação os atingisse antes do período festivo do Natal e Ano Novo.
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Durante muitos anos antes do nascimento do Francisco, Ana e José, deslocavam-se à terra natal e aquelas festividades eram vividas de acordo com a tradição - missa do galo, madeiro a arder no adro da igreja, cânticos ao Menino Jesus pelos grupos dos populares e população das redondezas.
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Teresa e Joaquim não resistiram à insistência da filha, e depois de conversarem com a visinha mais próxima - a Amélia, lá combinaram que a mesma durante a sua ausência lhes cuidaria das galinhas, do porco e até da cabrinha que adquiriram há dias.
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Em casa da filha, nos arredores de Lisboa, tudo é harmonioso e quentinho, pois mantêm diariamente a lareira acesa.
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Teresa e Joaquim, desta vez, estabeleceram um maior contacto de proximidade com o neto, desde o armar o presépio, ao enfeitar a árvore de Natal com as bolas de mil cores e até contar-lhe diferentes histórias antes dele adormecer.
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Para o Joaquim e Teresa, este ano, havia algo que os inquietava.
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Habitualmente, como vinham quase na véspera de Natal, para além dos bolinhos, fritos, rabanadas que eram confeccionados na cozinha da aldeia, faltava-lhes a prenda para o Francisco, que de tantos brinquedos, jogos e discos que possuia, difícil era a escolha de uma que fosse novidade.
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A 23 de Dezembro, isto a 2 dias antes do Natal, os seus receios dissiparam-se, pelo pedido do Francisco.
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Com voz muito doce e um ar atrevido, perguntou: -Avós, como era o Natal da Mãe quando tinha os meus anos? Os 5 anos.
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Baixando a voz e como que a falar em segredo, Teresa e Joaquim envolveram num abraço o neto e contaram ao Francisco como se vivia na aldeia, o dinhero que possuíam fruto do seu trabalho, os desejos da Ana de uma boneca, saias e blusas iguais aos seus.
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Às escondidas foi confeccionado o vestuário e colocado numa caixa de sapatos, que o Avô com muito cuidado e amor forrou usando papel com motivos de Natal.
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Na manhã do dia de Natal a Ana levantou-se e pé ante pé, foi junto do presépio buscar o seu presente. Silenciosamente tirou o laço de seda cor de rosa que envolvia a caixa e soltou um grito de alegria quando a abriu e viu a boneca com um vestido igual ao que iria vestir.
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A correr, de rosto vermelhinho, chegou ao quarto dos pais. Toda ela era felicidade. Abraçou-os e agradeceu.
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Francisco de olhos arregalados e muito brilhantes, abraçou os Avós como nunca, dizendo: - Que lindo CONTO DE NATAL.
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Idalette Alfaiate
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Reunião de 05/11/2010

Foto: M. Jesus
(Aconteceram outros encontros e realizaram-se vários trabalhos depois da última publicação. Vamos tentar vencer dificuldades de ordem técnica, para deixar aqui alguns exemplos desses trabalhos.)
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CERTO DESTINO
Num dia outonal, junto a um riacho, não muito longe do aglomerado populacional da Ribeira, residia uma linda palmeira.
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Tinha uma existência longa, as suas folhas prolongavam-se até ao infinito, avistando um mar não muito longínquo, que de vez em quando lhe sussurrava uma brisa fresca e ondulante, até que um dia...
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Esse dia surge sobre uma névoa ténue, que lhe marca definitivamente a existência. Um lenhador de feições marcantes, de ar carrancudo, cobiça-lhe as vestes, por puro devaneio. Antes do pôr-do-sol, fere-lhe fortes golpes de machado. Golpeia-a sem cessar, até ao interior das entranhas.
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No decorrer da noite e no aconchego do seu abrigo, durante o repouso do seu físico, é-lhe cometido uma série de pesadelos, compostos por fixações de imagens soltas, mas cruéis, perturbadoras da mente e do coração, resultado dos seus actos recentes e irreflectidos.
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Não se contendo mais, e já consciente de si, chora pesadamente ao visualizá-la e, simultaneamente pensa, quanto triste e sofredora teria ficado a pobre palmeira.
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. Leopoldina Santos